27 de junho de 2011

AS MINHAS ASAS

Almeida Garrett


Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.

– Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas, 
Por isso voava ao céu.

 

Veio a cobiça da terra.
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.

– Veio a ambição, co'as grandezas,
Vinham para mas cortar
Davam-me poder e glória
Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.


Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,

– Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.

Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!

– Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu
Pena a pena me caíram...
Nunca mais voei ao céu.

(Almeida Garrett - Flores sem Fruto)

Foto de Almeida Garrett retirada de: http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.com/2008_06_01_archive.html
Foto das Asas retirada de : http://loucurasdeumanjo.blogspot.com/2009/07/quero-brincar-de-ser-mau.html

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não me deixe falar sozinha. Dê a sua opinião. :)

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...